terça-feira, 4 de outubro de 2016

Midiativismo e a descentralização da comunicação nas Jornadas de Junho



Os anos de 2013 e 14 foram marcados por massivos, violentos e históricos conflitos que aconteceram, simultaneamente, em várias capitais, atingindo proporções nacionais, entre manifestantes insatisfeitos com o atual cenário político e econômico do país e o Estado que ficaram conhecidos como as JORNADAS DE JUNHO. 

Organizados a partir de redes sociais, tinham como principal característica a horizontalidade. Não haviam lideranças reconhecidas e qualquer tentativa de protagonismo era imediatamente reprimida. Bandeiras de partidos eram destruídas e pessoas que trouxessem seus símbolos em acessórios ou vestimentas eram pressionadas a tira-los ou sair da manifestação.

Espontaneamente, em resposta à desproporcional violência policial, coletivos se formaram e passaram agir em conjunto para garantir o direito de manifestação dos cidadãos, resistindo às ações coercitivas e repressoras do governo. Advogados se reuniam às centenas em diversos grupos como o Habeas Corpus, o CDH e o IDDH junto com os socorristas, black blocs, anônimos e os midialivristas ou midiativistas.

Tudo era orgânico, cada um ocupava uma posição e tinha uma função. Os participantes de cada coletivo se comunicavam entre si e entre os demais grupos através de aplicativos de chat, páginas e grupos nas redes sociais e celulares. 

Aos Black Blocs cabia à defesa, colocando-se na linha de frente, prontos a reagirem a qualquer ameaça física aos manifestantes. Os advogados cuidavam da defesa jurídica dos que fossem detidos ou vítimas de quaisquer arbitrariedades, sendo a ponte de comunicação com a polícia. Os socorristas cuidavam dos feridos, fossem eles manifestantes ou policiais, os anônimo, cyberativistas e hackers, atuavam no mundo digitial, e os midialivristas, a quem dedicarei mais atenção, tinham pelo menos, duas funções principais: ampliar as vozes das pessoas presentes nos atos e filmar as arbitrariedades cometidas pela polícia para serem usadas como provas para inocentar os inocentes detidos e denunciar quaisquer excessos ou crimes cometidos pela polícia.

Coletivos de mídia alternativa já existiam, mas nesse momento, ganharam mais expressão, força e proliferaram como nunca em nossa história. O Brasil vivia a sua Primavera Árabe e seu Occupy Wallstreet. Os protagonistas desse movimento foram o pessoal da MÍDIA NINJA (As Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) que começou transmitindo shows de festivais de música alternativa ao vivo, via twitcam, e acabou levando as suas transmissões para as manifestações sendo seus transmissores conhecidos como ninjas.

Reuniões eram feitas em espaços como a ECO, escola de comunicação da UFRJ, cedida pela professora Ivana Bentes, onde se discutiam estratégias de ação, utilização de plataformas, formas de capacitar mais midialivristas, políticas públicas, a geração de contra informação e relação nada amistosa com os veículos da mídia hegemônica corporativa. Centenas de pessoas lotavam as salas, aglomerando-se dentro e fora. A Midia Ninja popularizava, organizava e potencializava os jornalistas cidadãos, mostrando que a produção de informação estava ao alcance de todos. 

Novos grupos se formavam e transmissores independentes surgiam à medida que as manifestações iam se fortalecendo e crescendo. Entre eles, um dos que tiveram grande destaque foi o Coletivo Carranca formado por dissidentes da mídia ninja, o Mídia Independente Coletiva e o Coletivo Mariachi, famoso pela força de resistência e pelas vinhetas bem humoradas em seus vídeos. O cineasta e midiativista Rodrigo Modenesi, o MorreDiabo eu, o MidalexRj, como o Carranca, dissidente da Mídia Ninja e a carismática Drica Mídia que fez a transmissão mais longa das Jornadas de Junho, permanecendo no ar por mais de vinte e quatro horas em um dos momentos mais dramáticos das ruas que foi a prisão dos 72, são alguns dos transmissores independentes que atuaram como parte da voz coletiva.


Além das transmissões ao vivo, fotógrafos e cinegrafistas registravam os acontecimentos de todos os ângulos possíveis. O jornal A Nova Democracia, o AND, ficou famoso com sua icônica vinheta de encerramentos dos seus vídeos com o off de uma pessoa dizendo: "Isso vai tá no YouTube pr geral acessar e postar no Face, postar no Twitter, pra espalhar mesmo, pra espalhar...".

O fácil acesso à produção de informação jornalística possibilitou a geração de contra informação que se opunha às narrativas midiáticas dos grandes veículos questionando sua versão dos fatos, muitas vezes, evidenciando notórias tentativas de manipulação comprometendo suas idoneidade e credibilidade perante seu público. Mesmo que insuficientes para derrubar esses gigantes, suas ações tiverem efeito que se mostrou na alteração de suas narrativas em certos momentos.

Uma nova forma de comunicação sem qualquer compromisso com linhas editoriais e protocolos profissionais com uma nova estética se construiu a partir dessas parcialidades múltiplas das transmissões ao vivo e nos demais audiovisuais. Segundo Walter Bejnamim, para cada nova estética, uma nova ética que se encontra em construção. 




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