Os anos de 2013 e 14 foram marcados por massivos, violentos e
históricos conflitos que aconteceram, simultaneamente, em várias capitais,
atingindo proporções nacionais, entre manifestantes insatisfeitos com o atual
cenário político e econômico do país e o Estado que ficaram conhecidos como as
JORNADAS DE JUNHO.
Organizados a
partir de redes sociais, tinham como principal característica a
horizontalidade. Não haviam lideranças reconhecidas e qualquer tentativa de
protagonismo era imediatamente reprimida. Bandeiras de partidos eram destruídas
e pessoas que trouxessem seus símbolos em acessórios ou vestimentas eram
pressionadas a tira-los ou sair da manifestação.
Espontaneamente,
em resposta à desproporcional violência policial, coletivos se formaram e
passaram agir em conjunto para garantir o direito de manifestação dos cidadãos,
resistindo às ações coercitivas e repressoras do governo. Advogados se reuniam
às centenas em diversos grupos como o Habeas
Corpus, o CDH e o IDDH junto com os socorristas, black blocs, anônimos e os
midialivristas ou midiativistas.
Tudo era orgânico,
cada um ocupava uma posição e tinha uma função. Os participantes de cada
coletivo se comunicavam entre si e entre os demais grupos através de
aplicativos de chat, páginas e grupos nas redes sociais e celulares.
Aos Black Blocs
cabia à defesa, colocando-se na linha de frente, prontos a reagirem a qualquer
ameaça física aos manifestantes. Os advogados cuidavam da defesa jurídica dos
que fossem detidos ou vítimas de quaisquer arbitrariedades, sendo a ponte de
comunicação com a polícia. Os socorristas cuidavam dos feridos, fossem eles
manifestantes ou policiais, os anônimo, cyberativistas e hackers, atuavam no
mundo digitial, e os midialivristas, a quem dedicarei mais atenção, tinham pelo
menos, duas funções principais: ampliar
as vozes das pessoas presentes nos atos e filmar as arbitrariedades cometidas
pela polícia para serem usadas como provas para
inocentar os inocentes detidos e denunciar quaisquer excessos ou crimes
cometidos pela polícia.
Coletivos de mídia
alternativa já existiam, mas nesse momento, ganharam mais expressão, força e
proliferaram como nunca em nossa história. O Brasil vivia a sua Primavera Árabe
e seu Occupy Wallstreet. Os protagonistas desse movimento foram o pessoal da MÍDIA NINJA (As Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) que
começou transmitindo shows de festivais de música alternativa ao vivo, via
twitcam, e acabou levando as suas transmissões para as manifestações sendo seus
transmissores conhecidos como ninjas.
Reuniões eram
feitas em espaços como a ECO, escola de comunicação da UFRJ, cedida pela
professora Ivana Bentes, onde se discutiam estratégias de ação, utilização de
plataformas, formas de capacitar mais midialivristas, políticas públicas, a
geração de contra informação e relação nada amistosa com os veículos da mídia
hegemônica corporativa. Centenas de pessoas lotavam as salas, aglomerando-se
dentro e fora. A Midia Ninja popularizava, organizava e potencializava os jornalistas
cidadãos, mostrando que a produção de informação estava ao alcance de todos.
Novos grupos se formavam e transmissores independentes surgiam à medida que as
manifestações iam se fortalecendo e crescendo. Entre eles, um dos que tiveram
grande destaque foi o Coletivo Carranca formado por dissidentes da mídia ninja,
o Mídia
Independente Coletiva e o Coletivo Mariachi,
famoso pela força de resistência e pelas vinhetas bem humoradas em seus vídeos.
O cineasta e midiativista Rodrigo Modenesi, o MorreDiabo eu, o MidalexRj, como
o Carranca, dissidente da Mídia Ninja e a carismática Drica Mídia que fez a
transmissão mais longa das Jornadas de Junho, permanecendo no ar por mais de
vinte e quatro horas em um dos momentos mais dramáticos das ruas que foi a
prisão dos 72, são alguns dos transmissores independentes que atuaram como
parte da voz coletiva.
Além das
transmissões ao vivo, fotógrafos e cinegrafistas registravam os acontecimentos
de todos os ângulos possíveis. O jornal A Nova
Democracia, o AND, ficou famoso com sua icônica vinheta de encerramentos
dos seus vídeos com o off de uma pessoa dizendo: "Isso vai tá no
YouTube pr geral acessar e postar no Face, postar no Twitter, pra espalhar
mesmo, pra espalhar...".
O fácil acesso à produção de informação jornalística
possibilitou a geração de contra informação que se opunha às narrativas
midiáticas dos grandes veículos questionando sua versão dos fatos, muitas
vezes, evidenciando notórias tentativas de manipulação comprometendo suas
idoneidade e credibilidade perante seu público. Mesmo que insuficientes para
derrubar esses gigantes, suas ações tiverem efeito que se mostrou na alteração
de suas narrativas em certos momentos.
Uma nova forma de comunicação sem qualquer
compromisso com linhas editoriais e protocolos profissionais com uma nova estética
se construiu a partir dessas parcialidades múltiplas das transmissões ao vivo e
nos demais audiovisuais. Segundo Walter Bejnamim, para cada nova estética, uma
nova ética que se encontra em construção.